PEIXINHOS

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

O Conto do Disco Voador

O CONTO DO DISCO VOADOR
Levi de Moura
levi.de.moura@bol.com.br

( Eu também estive lá. Wladi)
● Se alguém me contasse hoje a estória sobre a anunciada aterrissagem de um disco-voador procedente de Júpiter, em Casimiro de Abreu, com certeza diria que meu interlocutor deveria ser internado rapidamente. Mas o repórter - até por dever profissional - foi testemunha ocular (e de corpo presente) dessa trapaça, que teve repercussão internacional e reuniu, nos arredores de uma propriedade rural sombria, supostos Phds em objetos voadores, ufólogos sérios, outros nem tanto, além de curiosos, tipos esquizofrênicos, batedores de carteiras, gente exótica com pinta de cientista maluco, vendedores ambulantes e uma multidão de espectadores que se espremeram no meio da vegetação rala, numa vigília “cósmica” de dar inveja a qualquer diretor de cinema de Hollywood. Esse teatro de operações foi encenado, sem pudor ou constrangimento, aqui na Baixada Litorânea, RJ, berço de Casimiro de Abreu, o poeta da saudade, que soube enaltecer “sua infância querida (sem discos-voadores), que os anos não trazem mais”.

● Esse esdrúxulo espetáculo entrou em cartaz no dia 8 de março de 1980, há 29 anos, após exaustiva propaganda feita pelo “vidente” e ufólogo-de-meia-tijela, Edílcio Barbosa. Esse sujeito merecia ser homenageado. Mesmo depois de morto, o que aliás viria ocorrer após o show patético de Casimiro. Barbosa teve as pernas amputadas e, em seguida, falecera. Seus discípulos terrestres ensaiaram boatos de que o “porta-voz” de Júpiter teria sido vítima da maldição de sua ousadia. Pura idiotice com crendice em busca de holofotes. Barbosa, na verdade, teria sido “resgatado” pelo diabetes e complicações afins. Nada do além, a não ser a própria morte. Mas – justiça seja feita – esse sujeito conseguiu atrair a opinião pública para a sua festa “rave” ao estilo cósmico. Só não teve música eletrônica. Mais de 10 mil pessoas invadiram a fazenda, área serrana de Casimiro, com promessa de assistir a aterrissagem de uma nave de Júpiter. O pouso seria às 5h40min daquela manhã de 1980. “Eles, os Ets, são britânicos” ,disse um assessor de Barbosa.








● Compacta, silenciosa, ansiosa e de olhos grudados no firmamento, ou na linha do horizonte, a multidão parecia disciplinada ao romper a madrugada sob o ataque de insetos e disputando o melhor lugar, naquele vale, para assistir a chegada do disco-voador, segundo a “profecia” de Barbosa. Ele garantiu que a nave de Júpiter devolveria, vivos, três militares da Marinha que sumiram a bordo de um helicóptero da Base Aeronaval de São Pedro, acidentado em alto mar há alguns anos da “pajelança” em Casimiro de Abreu. Familiares dos tripulantes da aeronave militar passaram a acreditar na “visão” do ufólogo-de-araque, e o assunto (até então tratado com reservas pela imprensa) acabou nos grandes jornais e nos principais telejornais. Foi o que o promoter da festa cósmica precisava para criar um ambiente de pouso oficial.

● Numa área plana da fazenda sob a vista da multidão, improvisou-se uma espécie de Disco porto, num descampado em forma de triângulo, cuja referência era uma árvore. Alguém avisava num megafone: ”atenção: é proibida a presença de humanos nessa área demarcada, do contrário a nave não vai descer”. Foi quando se percebeu o início dos protestos da galera. A mensagem do locutor do megafone gerou a primeira desconfiança do público. A gritaria de ambulantes – inclusive os bem-sucedidos vendedores de papel higiênico - se mistura a um burburinho na platéia. Aproxima-se a hora da aterrissagem da nave de Júpiter e, no meio da multidão, exausta e sonolenta, um sujeito com roupas exóticas e empunhando um binóculo grita: “Olha a horaaaa!” Foi o tom que faltava para um coral de milhares de curiosos repetir a cobrança.

● O momento era de tensão no Disco porto de Casimiro. Autoridades deixaram de lado a evidência e o constrangimento de serem também protagonistas e se posicionaram para a iminência de um tumulto. Ao invés do disco-voador de Júpiter trazendo os tripulantes do helicóptero da Base Naval, no momento previsto da aterrissagem dos Ets, quem sobrevoou a região tomada pela multidão, foi um pássaro(uma garça), provavelmente assustado com a ocupação indevida de seu habitat. O pássaro recebeu calorosos aplausos. A galera já estava a ponto de linchar o autor da farsa sideral quando um ruído diferente emudeceu os espectadores. O silêncio só foi quebrado, quando se confirmou que o ruído intermitente não era de extraterrestes. Mas vinha da maria-fumaça, que agora apontava no horizonte, serpenteando em meio a vegetação e fazendo soar o velho apito naquele vale de ópera bufa.

● A locomotiva ainda cortava as terras em torno da fazenda quando o ufólogo Barbosa começava a ser xingado e ameaçado pela multidão. Ele quis justificar o fiasco dizendo “que tinha gente no local de pouso atrapalhando a chegada da nave de Júpiter”. A declaração mentirosa e cínica, era o que faltava para massa enfurecida tentar pegar o impostor para lhe dar um corretivo. Mas a polícia de plantão no local, inclusive com cobertura de efetivo da Marinha, evitou o massacre, retirando Barbosa às pressas da fazenda, onde até equipamentos de telefonia foram instalados na área do Disco porto. Como um conjunto de orelhões a poucos metros da “pista de pouso”.






Nota 1 do Wladi: Quando o trem passou, eu e mais ou menos uma dezena de pessoas que estávamos por perto dos trilhos, mesmo sem saber o destino da locomotiva decidimos prolongar a aventura e, de maneira perigosa, “morcegamos” o comboio em pleno movimento, curtindo uma bela viagem pelo vale e observando cenas hilárias protagonizadas por alguns que não conseguiam “pegar” o trem e outros que, por medo acreditando que a viagem seria longa, que o trem aumentaria a velocidade rumo ao desconhecido, saltavam estabanados provocando diversas “vídeocassetadas” que infelizmente não foram gravadas. Como devia estar programado, o trem fez uma parada técnica em Casimiro de Abreu, que tivemos a grata satisfação de sabê-la uma bela, calma e graciosa cidade do interior do norte fluminense. Foi uma data inesquecível!
Nota 2 do Wladi : Este texto encontrei na internet e é um relato fiel do acontecido A foto é minha e foi eu que inseri no texto. É uma das únicas que sobreviveram ao tempo.